No final do século XVI, naquele distante dia 20 de janeiro de 1567, quando Estácio de Sá lutava para libertar a cidade dos franceses, a flecha envenenada e certeira no rosto não lhe tirou a vitória, mas lhe custou a vida um mês depois.
Dos sangrentos relatos da batalha final, deflagrada no atual Outeiro da Glória, os sobreviventes e vencedores realçaram o heroísmo, relegando a selvageria a um plano secundário. Não havia glamour, hoje em dia tampouco. Quatro séculos e meio após, vivemos um massacre diário, metamorfoseando inocentes em estatísticas.
Ao circularmos por vias importantes desse Rio de Janeiro castigado, os cariocas correm risco de morte todo o tempo, em qualquer horário, em qualquer lugar. Até justificaria usarmos a antiga armadura dos portugueses, o acará batizado pelos tupinambás. Nem todos têm casas ou ocas. A expressão acaraoca ou a posterior derivação carioca já não traduzem bem os nativos desses dias.
O 31/01/2018 foi mais um dentre tantos dias de caos nesse São Sebastião do Rio de Janeiro do século XXI. Inexistem índios e flechas; quase nenhum francês ou português; sobram injustiça, violência, vítimas e sangue. Em pleno dia, às 10:30, trafeguei por um tiroteio na Linha Amarela, na Cidade de Deus. Minutos em seguida, soube de outro confronto na Grajaú-Jacarepaguá. Posso estar na foto acima. Eu sofri pessoalmente, sem precisar do alegado masoquismo atribuído à imprensa pelo ministro da Defesa.
A propósito, vivemos uma época de desqualificação geral, de desuso dos valores humanos, de banalização da vida. A moral, a ética e os bons costumes ficaram no passado cantando bossa nova, enquanto a Anitta e o Pablo Vittar posam de celebridades musicais, sem espaço em suas agendas para shows e comerciais.
Admiramos a classe e a educação do Roger Federer e incensamos de maior expoente esportivo um Neymar dissimulado, mal educado e egocêntrico. Antigamente, os falsos ídolos tinham pés de barro e agora são rascunhos mal feitos. Esse é o resultado de gerações sem educação, sem cultura, de milhões de jovens longe da escola e do trabalho. Eles cultuam gente sem conteúdo, fazem apologia à baixaria, aos hábitos promíscuos e muitas vezes ao crime.
Em meio a tamanha desordem, ninguém em sã consciência pode falar em longo ou médio prazo, se pretende continuar aqui. Um cotidiano trágico, desesperador e horripilante passou de sombra a espelho.
E não se projeta a menor perspectiva otimista para um amanhã cada vez mais obscuro.
Seria possível, São Sebastião, aceitar pedidos de não devotos?
Caso arrisquemos o pedido, o prefeito poderia alegar alguma razão para triplicar o nosso IPTU?
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